quarta-feira, 27 de maio de 2009

A levitação de Dias Loureiro



Pareceu-me, logo quando o caso surgiu nos media, insustentável a continuidade de Dias Loureiro no Conselho de Estado. A esfera da ética (na política da política ou na política dos negócios) fora ferida a ponto de justificar um afastamento (por iniciativa do próprio) do cargo. Dias Loureiro não resistiu à conhecida e recorrente arma do Estado Direito, como se no Estado só existisse Direito, em nome da exclusão da prévia condenação sem culpa. O Presidente da República, preso ao Direito que o Estado cria, circunscreveu o caso ao direito e à palavra de honra, fechando um círculo dentro de um quadrado. Foi neste "círculo quadrado" (direito e honra) que Dias Loureiro levitou durante muito tempo, sem compreender que o mundo onde circula tem mais círculos do que os do Direito e mais quadrados do que os da palavra de honra. Se o que se conhecia era já bastante, o que se tem vindo a conhecer não deixa dúvidas quanto à insustentabilidade da sua continuidade no cargo de conselheiro de estado. Vai muito mal o Estado que assim se aconselha. Vai mal a democracia que assim se governa. Vai mal a política que assim se afirma. Espero que a levitação de Dias Loureiro não demore muito.

terça-feira, 26 de maio de 2009

Há esperança para os "Partidos-Movimento"?



Há uma certa dose de esperança na capacidade de os dois "partidos-movimento" (MEP e MMS) candidatos, por agora, às eleições para o Parlamento Europeu disputarem o espaço de representação política aos partidos tradicionais. Do ponto de vista das possibilidades de representação, estas eleições são as que mais podem favorecer a entrada destes novos actores no espaço político institucionalizado: círculo nacional único; ausência de cláusula barreira formal (embora com limiar efectivo de 3,2%). No entanto, um dos problemas cardeais que se coloca a estes movimentos, sobretudo em sociedades mediáticas e com fraca densidade participativa, é o de ultrapassar o teste da maturidade. Se é fácil ganhar o terreno dos media, o mesmo já não aconteçe quando é necessário vencer os terrenos da sustentabilidade organizacional, da consolidação de lideranças, do aprumo programático-ideológico, da inevitabilidade das hierarquias, entre outras valências vitais à sobrevivência das organizações políticas. É porque aqui que muitos movimentos iniciam (ou nem sequer chegam a iniciar) o caminho para a esclerose e consequente definhamento (ex: Partido da Solidariedade Nacional, Partido da Gente, par referir alguns).
A moderna "democracia de opinião" tende a atribuir, de forma acelerada, capital mediático a movimentos deste tipo, exagerando-lhe, em regra, as potencialidades. Facilmente nos esquecemos que a renovação estrutural dos actores políticos precisa mais do que democracia de opinião. Por exemplo, precisa de mais cidadania activa, coisa que é escassa e de difícil construção. Os partidos tradicionais contribuem pouco para este labor e os media não lhe ficam atrás.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Paulo Rangel e a nova teoria da representação política



Qual é a primeira medida que Paulo Rangel vai apresentar em Bruxelas? Disse o próprio ao Sol desta semana: «repartir o número de municípios em função dos deputados eleitos, para que cada um fique com uma região, para assegurar a ligação directa com o território nacional. Os eurodeputados representam bem o interesse nacional em Bruxelas, mas o retorno nalguns casos não é evidente». É, para mim, uma proposta inintelegível. De que lógica de representação política fala Rangel? De uma nova teoria que casa o modelo de delegação com o modelo fiduciário, aplicando o primeiro às fronteiras de uma região nacional e o segundo à defesa dos interesses nacionais na Europa. Esquisito. Muito esquisito. Não compreendo como é possível casar dois modelos incompatíveis. Estará Rangel a falar do modelo político da representação, em que os políticos adaptam a ideia de representação consoante o desejo de conquista do voto? Estou mais certo disto. E com que critérios fará Rangel a divisão das regiões? Será que o modelo só se aplica aos deputados eleitos pelo PSD? Como assegurarão eles a ligação pretendida com o território nacional? Como se avalia o retorno da acção dos eurodeputados?
Talvez Rangel se esqueça que nas eleições europeias elegemos eurodeputados e não deputados de uma qualquer região do país para nos representar em Bruxelas. Talvez Rangel se esqueça que à representação política não convém a fracção. Convém o todo e não para a parte. Talvez Rangel se esqueça que propostas desta natureza não basta fazê-las. É preciso explicá-las. Talvez, por isso, se tenha recusado a explicar aos eleitores o Tratado de Lisboa. Seria demasiado maçador. Não daria votos como poderá dar uma proposta revolucionária de uma nova teoria da representação política. É por estas e por outras que "não assino por baixo".

sábado, 16 de maio de 2009

Manuel Alegre e a "democracia invisível"



A democracia têm, como é próprio da sua natureza, um lado invisível. Trata-se do conhecido conceito do "silêncio do poder". Uma boa parte da acção política esconde decisões cujos contornos não são penetráveis. O próprio conceito de democracia (mesmo que amplifiquemos o seu sentido lado) não reserva grandes activos em matéria de transparência. Os gregos, da era clássica, anteciparam a tempo esta natural deficiência da democracia. As decisões "democráticas" tomadas no Ágora resultavam de complexos processos de manipulação que a oratória escondia sabiamente. Pouco ou nada se conhecia, assim os decisores o decidissem, do que realmente estava em jogo. Terá sido por isso que Rousseau não recomendou a democracia aos homens, nem que fosse feita debaixo de um carvalho. Reservou-a aos deuses. Talvez os deuses se soubessem governar democraticamente.
Há um lado estranhamente invisível no tempo, no contexto e na substância do anúncio de Manuel Alegre sobre a sua maturada e solitária decisão em continuar no PS e de não aceitar integrar as listas do partido às eleições para a Assembleia da República. O tempo é estranho (no exacto dia que Sócrates visitou a ilha de Jardim). A solitude é ainda mais estranha. Uma decisão desta natureza é sempre relacional (o tempo, a caça ou a pesca não alimentaram, de certo, as conversas com Sócrates). Quanto à substância logo veremos. Eis a parte invisível que já começou a abrir fendas (vejam-se algumas notícias de hoje que referem que Alegre nega ter negociado lugares nas listas à AR). Sabendo que é quase impossível o acesso aos "secret gardens" do recrutamento parlamentar, estarei atento às listas do PS para a Assembleia da República. Estarei de alerta ao tempo que Alegre dedicará à "democracia que não se esgota nos partidos". Esperarei, atentamente, como se vai urdir a configuração das candidaturas às eleições presidenciais de 2011. Veremos, em breve, se a Alegre "ninguém o cala" ou se, como Péricles, subscreve a teoria dos discursos fúnebres. Para ele e para a democracia.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Lembrei-me de Daniel Campelo

Declarou hoje na SIC Notícias o deputado do PS destinado à defesa das indefensáveis alterações à lei do financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais. No meio da sessão disse: reduzimos a opacidade, aumentámos a transparência, não há dinheiro vivo. Reconheço que se gasta de mais nas campanhas, apelo aos partidos para gastarem menos. E acrescentou: provavelmente as subvenções públicas são muito elevadas. Espantoso. Após um ano de intensos debates e de profundo estudo (segundo o deputado) fez-se de tudo para aumentar a transparência. Mas não houve tempo para tratar do essencial.
Ao acompanhar este lamentável processo lembrei-me de Daniel Campelo. Há uns anos, a classe política portuguesa, analistas, articulistas, comentadores, comentadores de comentadores, entre outros mestres do discurso mediático ficaram incomodados com o voto "consciente" do dr. Campelo a propósito da aprovação do OE de 2001 (era Guterres). Para eles, era a derrocada da democracia, qual pecado mortal que a mataria se o acto fosse repetido por ele ou seguido por autarcas a meio tempo ou por outros de idêntica espécie. Alegres, na altura, ficou o primeiro-ministro e os seus seguidores directos, afirmando ter sido um acto de coragem e de salvação do bem comum, pois a sobrevivência da Nação sem duodécimos fora garantida.
O discurso do defensor oficial do PS da nova legislação sobre o financiamento dos partidos e das campanhas recorre aos mesmos argumentos. Pela sua prosa, a nova lei constitui um passo de gigante no cumprimento do grande desígnio: a transparência. Trata-se, também, de um acto salvador da democracia.
O tempo e o contexto deste processo, os efeitos do que se aprovou e, sobretudo o que não se quis aprovar, revelam o que há de pior no jogo partidário. Para lá dos efeitos, que o tempo se encarregará de mostrar, deixaram uma péssima imagem do Parlamento e abalaram a já débil consideração que os portugueses têm pela sua classe política.
Regressando ao dr. Campelo, creio que a democracia sobrevive muito melhor a "pecadilhos" como os dele do que sobreviverá a actos de salvação democrática como este que os partidos nos querem "vender".

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Que o Presidente vete a estatocracia

Já escrevi. Já afirmei à imprensa. A recente paródia legislativa sobre o financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais é das piores paródias parlamentares da nossa democracia. Os partidos (todos) ajustaram num dos muitos quadrados sepulcrais (os gabinetes inacessíveis da "casa da democracia") mais uma lei que mantém e reforça a estatocracia. Do acerto resultou uma nova porta, sem controlo, para o dinheiro privado. À critica dos criticos certeiros e à agudeza de alguma sociedade civil que detestam nestes casos, os partidos (os que se deram ao trabalho de orar sobre o assunto) disseram que o "povo crítico" não estudou a matéria. Logo esqueceram o assunto e, de repente, lembraram-se que as campanhas eleitorais (de tanta contribuição estatal combinada com a receita privada) podiam dar lucro. Eis uma lembrança própria de alunos que sempre mandaram às urtigas não a matéria, mas a essência da matéria. É que as campanhas já deram lucro. Em 2001, António Abreu e Jorge Sampaio obtiveram saldos positivos nas respectivas campanhas para a presidência da república e na legislação de 2003 esta possibilidade foi ainda mais evidente. Em face de tão profunda reflexão decidiram alterar uma lei que ainda nem sequer foi promulgada. Que as sobras fiquem reservadas ao seu destino. Nem mais. Eis uma democracia que encontrou um fundo de reserva para gastos eleitorais. Ficamos sem saber se esse eventual fundo benefícia de juros à uma qualquer taxa euribor.
Esta legislação já era pessíma. Pior ficou. Com ela ficam pior os partidos. Ficará muito pior a república se o Presidente não lembrar que a estatocracia é o mais terrivel inimigo da democracia. Deve vetar esta lei.

terça-feira, 12 de maio de 2009

A vertigem legiferante dos partidos



Espanto. Ou nem tanto. Segundo a imprensa, os partidos (ao que julgo o PS e o PSD) já estarão disponíveis para alteração à lei do financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais que aprovaram há menos de dez dias e que ainda não foi promulgada pelo Presidente da República (PR). Confesso que já estava habituado à vertigem legiferante que, desde 1993, tem marcado a aprovação desta legislação. Nunca, nenhuma lei, foi objecto de ampla maturação. Nunca, nenhuma lei foi antecipadamente escrutinada por especialistas para evitar falhas graves, esquecimentos e outras omissões. Até se entende. Os partidos, nestas matérias, têm os seus próprios especialistas que acordam no segredo dos gabinetes as melhores soluções para satisfazer interesses conjunturais. O que nunca vimos foi a situação que se avizinha: os partidos, em face das reacções mortiferas que receberam em relação aos efeitos da lei recentemente aprovada, declaram, em surdina, que estão dispostos a rever o que aprovaram e defenderam, assim o PR não aceite o diploma.
Há quem afirme que a democracia portuguesa padece de doença grave. É verdade. Tão verdade que lhe conhecemos as maleitas e, em boa parte, quem lhe dá o nome.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Eleições europeias e partidos de cartel



Um dos indicadores da cartelização dos partidos é o do grau em que o seu funcionamento corrente e eleitoral depende do Estado. Este indicador pode analisar-se a partir da legislação sobre o financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais. No caso português, os dados revelam uma crescente dependência dos partidos do Estado, facto que indica uma crescente descapitalização das ligações destes actores à sociedade. Eis alguns dados:
A) Na próxima legislatura o Estado contribuirá com cerca de 10 milhões de euros para encargos de assessoria aos deputados;
B) Também, na próxima legislatura, o Estado contribuirá com cerca de 70 milhões de euros para financiamento à actividade corrente dos partidos (3.15 euros por voto obtido na mais recente eleição legislativa - estimo 5,5 milhões de votos úteis para o efeito e o valor base de 135/IAS de 426 euros);
C) Em média, as subvenções públicas às campanhas eleitorais (considerando a década actual) são suportadas em 70% por verbas públicas. Como exemplo, para as próximos eleições europeias os cinco partidos representados na AR estimam cobrir as suas despesas, em 78%, com verbas públicas. Este é o valor médio resultante dos orçamentos apresentados ao Tribunal Constitucional. Segundo esses orçamentos, as despesas do PS serão cobertas em 93% por subvenções públicas; as do CDS em 90%; as do BE em 81%; as do PSD em 68% e as do PCP em 58% (o rácio para o PCP ajuda a compreender muito do que se passou com a aprovação das recentes alterações à lei do financiamento partidário).
Estes dados atestam o que já sabiamos. Cada vez mais os partidos são máquinas de cartelização estadual. Serão, cada vez menos, estruturas de ligação dos cidadãos à política e organizações de representação social ou ideológica. Bryce, Ostrogorski, Michels, e tantos outros, bem anteciparam esta mudança.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Financiamento partidário - uma das piores leis da nossa democracia



A legislação sobre o financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais é, seguramente, das piores leis da nossa democracia. Falamos na lei, mas tivémos, entre 2003 e 2009, sete leis sobre a matéria e outras tantas tentativas de alterações a que acrescem algumas modificações de pormenor. Lembro a fastidiosa sequência de leis: 72/93; 27/95; 56/98; 23/00; 19/03; xx/09 (ainda não sei o número da que foi recentemente aprovada). Não refiro, as tentativas de modificação e as pequenas emendas de circunstância. Seria muito mais fastidioso. Nesta matéria somos um exemplo acabado de um experimentalismo deprimente. A vertigem legiferante ilustra que ora se labora em cima do joelho, ora se reage cegamente a suspeições reais ou imaginárias sobre financiamentos ilícitos, ora se esqueçe o que tão facilmente pode ser lembrado se bem estudado.
A recente alteração legislativa é um retrocesso brutal no que respeita à transparência da actividade partidária que é financiada largamente pelos nossos impostos. Não só porque permite a circulação de "dinheiro vivo" como porque aceita (tenho que ver melhor a lei) a possibilidade de financiamentos indirectos. A lei foi aprovada por quase unanimidade (teve um voto contra: o do esclarecido deputado António José Seguro) o que prova que, tal como no passado, esta matéria é objecto de amplo consenso quando se trata de acomodar as pretensões de todos os partidos. Um exemplo claro de que na democracia portuguesa não há só espaço para blocos centrais de interesses. Também há espaço para blocos globais de interesses.
PS. Como tenho dedicado muito da minha investigação académica a esta matéria voltarei ao tema. Há dados muito interessantes.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

O cinzentismo do PSD (II)



Continua cinzento o PSD. Agora um pouco mais carregado do que me pareceu quando surgiu, há umas semanas, em cartaz a "Política de Verdade".
Ao cizentismo acresce agora a frase multissémica "NÃO DESISTA. SOMOS TODOS PRECISOS". O comum dos mortais terá que consultar um bom manual de semiologia para descodificar o sentido e o destinatário da mensagem. Sabemos a fonte, conhecemos o código e identificamos o meio. Mas não discernimos (pelo menos eu) o sentido da mensagem nem o seu destinatário. Poderiamos dizer que não se completa o processo de comunicação. Errado. Completa-se de forma enviesada, porque não obedece a elementares princípios de eficácia da comunicação. É por isso que temos assitido a interpretações para todos os gostos (entre o sério, o caricatural e o ofensivo).
O plano de comunicação do partido e de MFL parece consolidar, cada vez mais, um idioleto. Um estilo imagético do PSD marcado por uma vertente intelegível e por outra vertente indecifrável. É caso para sugerir que o slogan "política de verdade" seja alterado para "política de meia-verdade".