terça-feira, 31 de março de 2009

Abstenção afecta interesses de Portugal na UE

Surpresa. Ontem, nas suas "Notas Soltas", António Vitorino referiu que as elevadas taxas de abstenção registadas em Portugal nas eleições para o Parlamento Europeu, afectavam a defesa dos nossos interesses na União Europeia.
É verdade que, entre nós, se tem registado uma redução significativa da participação eleitoral nestas eleições (1987-72,4%; 1989-51,2%; 1994-35,5%; 1999-39,9%; 2004-38,6%) e que, por exemplo, nas últimas eleições Portugal registou a oitava (A. Vitorino referiu que foi a quinta) taxa de abstenção mais elevada de entre os 25 países da UE, acima da Eslováquia (16,7%), Polónia (20,4%), Estónia (26%), R.Checa (27,9%), Eslovénia (28,3%), Suécia (37,2%); Hungria (38,4).
As razões que ajudam a explicar os níveis de participação eleitoral dos cidadãos europeus tem sido estudadas e não cabe aqui desenvolver esta matéria. A razão desta nota é a surpresa causada pela correlação estabelecida por António Vitorino entre os níveis de votação dos portugueses e a defesa dos seus interesses na UE. Segundo ele (se bem entendi) quanto menor for a participação menor será a possibilidade de os nossos deputados defenderem os interesses dos portugueses e, julgo, que a regra se aplicaria aos restantes países. Assim sendo, países como o Luxemburgo, a Bélgica e a Itália, defenderão muito melhor os seus interesses (apresentam taxas de participação bastante elevadas) e países como a França, a Alemanha e a Inglaterra (com taxas médias a rondar os 50%) não teriam tais condições.
Como se sabe, não consta que os chamados "países motores da Europa" que se cruzam pontualmente nos famosos eixos tipo "franco-alemão", não defendam os respectivos interesses (e bem) por causa dos elevados níveis de abstenção. Há na argumentação de Vitorino um paradoxo evidente e há, também, a meu ver, uma concepção errada da representação política europeia. Trata-se de uma concepção que faz depender a força das instituições (em particular o P.Europeu) do apoio eleitoral que cada grupo de deputados de cada país recebe. Ora o PE deve constituir-se como um órgão colegial que defende os interesses de todos os cidadãos e não como um conjunto de grupos parlamentares que defende, cada um, os interesses dos seus cidadãos. Talvez esteja neste enviesamento uma das falhas da relação entre as instituições europeias e os cidadãos. E, talvez, este facto ajude a explicar parte do afastamento dos eleitores dessas instituições. Edmund Burke, já alertou os mais atentos para este problema. É sempre bom lê-lo.

segunda-feira, 30 de março de 2009

Partidocracia e independentocracia

Como previsto, o debate sobre o contributo das chamadas candidaturas independentes (em particular nas autarquias) para a melhoria da qualidade da nossa democracia volta à praça mediática com o aproximar das eleições autárquicas de 2009. Hoje o "DN" (Editorial e peça de Paula Sá) aborda o assunto, levantando, a meu ver, duas questões de fundo sobre o tema: 1) haverá espaço para o surgimento de candidaturas genuínas? 2) O fenómeno representa o fim da partidocracia nas autarquias?

Do que conheço do assunto (muito porque o tenho estudado - Meirinho Martins (1997), As eleições autárquicas e o poder dos cidadãos, Vega; Meirinho Martins (2003), participação política e grupos de cidadãos eleitores, um contributo para o estudo da democracia portuguesa, ISCSP; Meirinho Martins (2004), participação política e democracia - o caso português, ISCSP), arrisco a afirmar que não há espaço para a emergência de candidaturas genuínas de cidadãos independentes aos executivos municipais, tal como o fenómeno - o passado e o previsível - não representa o fim da partidocracia nas autarquias.

Há muitas razões que ajudam a compreender a falta de autenticidade do fenómeno: ausência de uma cidadania activa, características do poder local, lógicas de acção dos executivos municipais, etc. Julgo que a causa-mor desta falta de autenticidade prende-se com os efeitos do tradicional fechamento da classe política partidária. Historicamente o poder local foi (e ainda é) espaço de afirmação de micro-partidos (dentro dos partidos), de lideranças -muitas vezes erráticas - que funcionam como lojas de conveniência dos partidos, ao mesmo tempo que essas lideranças foram reforçando o seu capital social e político em terrenos de difícil acesso às máquinas centrais dos partidos. Quando estas máquinas sucumbiram à abertura de novos espaços de competição política (i.e. candidaturas independentes às autarquias), da forma como o fizeram, permitiram que a futura criatura matasse o seu criador. No fundo, os partidos abriram portas aos únicos actores que reúnem condições efectivas de competição local: os seus próprios autarcas. As tentativas de moralização da acção política local ou de renovação interna fizeram o resto. Autarcas com elevado capital político, libertaram-se dos partidos (por exclusão ou por opção própria) e surgem a concorrer, quais "independentes disfarçados" contra os seus criadores. Ora, uma estrutura de oportunidades de participação que é ocupada desta forma deixa muito pouco espaço à emergência de qualquer movimento genuíno de cidadãos. Simplesmente, nenhum movimento desta natureza consegue competir com poderes implantados durante décadas nos espaços locais.

Quanto à segunda questão, há boas razões para prever (como já demonstrado) que este fenómeno (mesmo que genuíno fosse) não representa o fim da partidocracia nas autarquias. É que a realidade já demonstrou o surgimento de uma nova partidocracia: a "independentocracia". Até à data, a larga maioria das candidaturas vencedoras representam uma espécie de partidos sem líder, sem organização, sem hierarquia, sem estrutura, sem fiscalização, mas, nem por isso menos associados aos males da expressão "partidocracia". Se o fenómeno se generalizar, bem podemos assistir (ao nível local) a uma progressiva substituição da democracia de partidos por uma "democracia civil", ocupada por "partidos de um homem só" e que trarão à democracia portuguesa mais males do que remédios.

Voltaremos ao assunto.

sexta-feira, 27 de março de 2009

"Independentes" nas autarquias - entre o taticismo e o disfarçe

Isaltino Morais (em julgamento) e Ferreira Torres (já julgado e ilibado e já triplo candidato à cãmara de MCanavezes) são exemplares da nova espécie de políticos autárquicos com título de "independentes". Em 2001 a lei abriu a possibilidade a candidaturas deste tipo e o resultado é que não veio nada de bom para a democracia portuguesa. As eleiçõe de 2009 estão à porta e a expectativa é que surjam mais candidaturas desta natureza. Mas haverá possibilidade real de candidaturas independentes? Nas investigações que tenho feito sobre o assunto (com incidência na juntas de freguesia), atrevo-me a avançar com a seguinte tipologia (em construçã) que espero viar a testar este ano.
Independentes genuínos: espécie rara... dependem de si e do eleitorado e não se declaram independentes por oposição aos partidos;
Independentes tácticos: têm uma concepção táctica da política e usam o rótulo para valorizar a sua acção como boa, isenta dos pecados e das desgraças dos partidos (defendem a ideologia dos independentes);
Independentes disfarçados: disfarçam-se de independentes uma vez que mantêm uma relação forte com os partidos (são uma espécie de pontas de lança dos partidos, vão e voltam, entregam e recolhem o cartão em função das circunstâncias);
Independento-partidários assumidos: (o nome é impronunciável) assumem as duas condições, respeitam o partido mas querem que o partido respeite a sua independência...pugnam pela sua liberdade mesmo que inscritos e com responsabildiades nos partidos;
Independentes forçados: por força do incómodo que causaram aos aparelhos partidários afastaram-se por força dos seus pecados ou foram convidados gentilmente a sair ou nunca mais foram convidados a ficar;
Dependentes: sujeitam-se às regras dos partidos, seguem as instruções dos líderes, não falam quandoe como querem (mesmo assim não o fazem de forma passiva - partilham de uma dependência moderada);
Hiperdependentes: aceitam o peso e as determinações da máquina partidária que reconhecem como superior comandante dos seus destinos. São acríticos e altamente condicionados pelo colectivo partidário.
Na experiência portuguesa de 2001 (câmaras municipais) mais de metade das candidaturas integraram a categoria de "independentes-forçados" e as restantes incluem-se na categoria de "independentes disfarçados".
Veremos o que aconteçe em 2009. Tenho esperanças de dar utilidade à primeira categoria....

quinta-feira, 26 de março de 2009

Isaltino Morais - Um "homo civicus exemplar"

A fonte oficial é a Agência Lusa. Mas o caso foi hoje amplamente divulgado no "grande meio". Isaltino Morais, um "independente presidente de câmara" forçado que foi a concorrer a tal título por efeito do incómodo que causou ao PSD, declarou no julgamento à sua pessoa que, em 2005, entregou ao Estado o montante excedente dos fundos angariados na campanha eleitoral porque, pasme-se, a «lei a isso obrigava». Mais declarou o "independente presidente" que entre o somatório dos depósitos bancários remetidos para o país do chocolate se contam cerca de 400 mil euros provenientes de «sobras de campanhas» apuradas até 2001, verba que decidiu guardar (para proveito próprio) porque a lei não obrigava à sua devolução (nem ao Estado, nem a ninguém). A surpresa declarativa do "arguido presidente independente"não ficaria por aqui. Eis que aproveita para revelar que a prática de retenção das parcas sobras de verbas das campanhas eleitorais (até 2001) seria generalizada, pois ele - homem bem conhecedor das leis - não conhecia «ninguém que as tenha devolvido». Eis um "homo civicus exemplar", digno de seguir por muitos cidadãos. Um cidadão que tem na lei os seus limites da ética e da responsabilidade. A lei manda: devolvam-se as verbas (se calhar algumas delas disponibilizadas pelo Estado) ao erário público. A lei não manda: fica-se com as verbas para gozo pessoal futuro.
A justificação dada por Isaltino Morais roça a mais elevada indigência democrática no plano da ética pública - para não maçar com outros planos - e prova como um edil (eventualmente exemplar) pode representar um exemplo do pior dos cidadãos. Um exemplo de "homo civicus" a não seguir por ninguém.
PS: as declarações de Isaltino Morais permitem perceber muito do que já sabemos sobre questões do financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais. Eis uma matéria que retomaremos em futuras reflexões civicas.

Primeira entrada

Marcação de estreia neste mundo. Esperamos ter tempo para alimentar o desafio.
Meirinho