segunda-feira, 30 de março de 2009

Partidocracia e independentocracia

Como previsto, o debate sobre o contributo das chamadas candidaturas independentes (em particular nas autarquias) para a melhoria da qualidade da nossa democracia volta à praça mediática com o aproximar das eleições autárquicas de 2009. Hoje o "DN" (Editorial e peça de Paula Sá) aborda o assunto, levantando, a meu ver, duas questões de fundo sobre o tema: 1) haverá espaço para o surgimento de candidaturas genuínas? 2) O fenómeno representa o fim da partidocracia nas autarquias?

Do que conheço do assunto (muito porque o tenho estudado - Meirinho Martins (1997), As eleições autárquicas e o poder dos cidadãos, Vega; Meirinho Martins (2003), participação política e grupos de cidadãos eleitores, um contributo para o estudo da democracia portuguesa, ISCSP; Meirinho Martins (2004), participação política e democracia - o caso português, ISCSP), arrisco a afirmar que não há espaço para a emergência de candidaturas genuínas de cidadãos independentes aos executivos municipais, tal como o fenómeno - o passado e o previsível - não representa o fim da partidocracia nas autarquias.

Há muitas razões que ajudam a compreender a falta de autenticidade do fenómeno: ausência de uma cidadania activa, características do poder local, lógicas de acção dos executivos municipais, etc. Julgo que a causa-mor desta falta de autenticidade prende-se com os efeitos do tradicional fechamento da classe política partidária. Historicamente o poder local foi (e ainda é) espaço de afirmação de micro-partidos (dentro dos partidos), de lideranças -muitas vezes erráticas - que funcionam como lojas de conveniência dos partidos, ao mesmo tempo que essas lideranças foram reforçando o seu capital social e político em terrenos de difícil acesso às máquinas centrais dos partidos. Quando estas máquinas sucumbiram à abertura de novos espaços de competição política (i.e. candidaturas independentes às autarquias), da forma como o fizeram, permitiram que a futura criatura matasse o seu criador. No fundo, os partidos abriram portas aos únicos actores que reúnem condições efectivas de competição local: os seus próprios autarcas. As tentativas de moralização da acção política local ou de renovação interna fizeram o resto. Autarcas com elevado capital político, libertaram-se dos partidos (por exclusão ou por opção própria) e surgem a concorrer, quais "independentes disfarçados" contra os seus criadores. Ora, uma estrutura de oportunidades de participação que é ocupada desta forma deixa muito pouco espaço à emergência de qualquer movimento genuíno de cidadãos. Simplesmente, nenhum movimento desta natureza consegue competir com poderes implantados durante décadas nos espaços locais.

Quanto à segunda questão, há boas razões para prever (como já demonstrado) que este fenómeno (mesmo que genuíno fosse) não representa o fim da partidocracia nas autarquias. É que a realidade já demonstrou o surgimento de uma nova partidocracia: a "independentocracia". Até à data, a larga maioria das candidaturas vencedoras representam uma espécie de partidos sem líder, sem organização, sem hierarquia, sem estrutura, sem fiscalização, mas, nem por isso menos associados aos males da expressão "partidocracia". Se o fenómeno se generalizar, bem podemos assistir (ao nível local) a uma progressiva substituição da democracia de partidos por uma "democracia civil", ocupada por "partidos de um homem só" e que trarão à democracia portuguesa mais males do que remédios.

Voltaremos ao assunto.

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