Surpresa. Ontem, nas suas "Notas Soltas", António Vitorino referiu que as elevadas taxas de abstenção registadas em Portugal nas eleições para o Parlamento Europeu, afectavam a defesa dos nossos interesses na União Europeia.
É verdade que, entre nós, se tem registado uma redução significativa da participação eleitoral nestas eleições (1987-72,4%; 1989-51,2%; 1994-35,5%; 1999-39,9%; 2004-38,6%) e que, por exemplo, nas últimas eleições Portugal registou a oitava (A. Vitorino referiu que foi a quinta) taxa de abstenção mais elevada de entre os 25 países da UE, acima da Eslováquia (16,7%), Polónia (20,4%), Estónia (26%), R.Checa (27,9%), Eslovénia (28,3%), Suécia (37,2%); Hungria (38,4).
As razões que ajudam a explicar os níveis de participação eleitoral dos cidadãos europeus tem sido estudadas e não cabe aqui desenvolver esta matéria. A razão desta nota é a surpresa causada pela correlação estabelecida por António Vitorino entre os níveis de votação dos portugueses e a defesa dos seus interesses na UE. Segundo ele (se bem entendi) quanto menor for a participação menor será a possibilidade de os nossos deputados defenderem os interesses dos portugueses e, julgo, que a regra se aplicaria aos restantes países. Assim sendo, países como o Luxemburgo, a Bélgica e a Itália, defenderão muito melhor os seus interesses (apresentam taxas de participação bastante elevadas) e países como a França, a Alemanha e a Inglaterra (com taxas médias a rondar os 50%) não teriam tais condições.
Como se sabe, não consta que os chamados "países motores da Europa" que se cruzam pontualmente nos famosos eixos tipo "franco-alemão", não defendam os respectivos interesses (e bem) por causa dos elevados níveis de abstenção. Há na argumentação de Vitorino um paradoxo evidente e há, também, a meu ver, uma concepção errada da representação política europeia. Trata-se de uma concepção que faz depender a força das instituições (em particular o P.Europeu) do apoio eleitoral que cada grupo de deputados de cada país recebe. Ora o PE deve constituir-se como um órgão colegial que defende os interesses de todos os cidadãos e não como um conjunto de grupos parlamentares que defende, cada um, os interesses dos seus cidadãos. Talvez esteja neste enviesamento uma das falhas da relação entre as instituições europeias e os cidadãos. E, talvez, este facto ajude a explicar parte do afastamento dos eleitores dessas instituições. Edmund Burke, já alertou os mais atentos para este problema. É sempre bom lê-lo.
É espantoso o 'lapso linguae' de Vitorino. Porque a ser essa a ideia dele, tendo ocupado os lugares que ocupou, entâo está tudo dito quanto às correlações e putativas constelações de justificações das taxas de participação ou de abstenção a considerar pelos nossos 'pseudo-notáveis'. Certamente, não terá o dito querido dizer que quem é eleito com uma taxa de participação menor, tem menos legitimidade para defender os seus interesses, porque a ser assim, teríamos que importar o Mugabe (e seus maravilhosos resultados) e ver a aventura dos seus oníssonos eleitorais esmagar as grandes potências europeias!
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