sábado, 16 de maio de 2009

Manuel Alegre e a "democracia invisível"



A democracia têm, como é próprio da sua natureza, um lado invisível. Trata-se do conhecido conceito do "silêncio do poder". Uma boa parte da acção política esconde decisões cujos contornos não são penetráveis. O próprio conceito de democracia (mesmo que amplifiquemos o seu sentido lado) não reserva grandes activos em matéria de transparência. Os gregos, da era clássica, anteciparam a tempo esta natural deficiência da democracia. As decisões "democráticas" tomadas no Ágora resultavam de complexos processos de manipulação que a oratória escondia sabiamente. Pouco ou nada se conhecia, assim os decisores o decidissem, do que realmente estava em jogo. Terá sido por isso que Rousseau não recomendou a democracia aos homens, nem que fosse feita debaixo de um carvalho. Reservou-a aos deuses. Talvez os deuses se soubessem governar democraticamente.
Há um lado estranhamente invisível no tempo, no contexto e na substância do anúncio de Manuel Alegre sobre a sua maturada e solitária decisão em continuar no PS e de não aceitar integrar as listas do partido às eleições para a Assembleia da República. O tempo é estranho (no exacto dia que Sócrates visitou a ilha de Jardim). A solitude é ainda mais estranha. Uma decisão desta natureza é sempre relacional (o tempo, a caça ou a pesca não alimentaram, de certo, as conversas com Sócrates). Quanto à substância logo veremos. Eis a parte invisível que já começou a abrir fendas (vejam-se algumas notícias de hoje que referem que Alegre nega ter negociado lugares nas listas à AR). Sabendo que é quase impossível o acesso aos "secret gardens" do recrutamento parlamentar, estarei atento às listas do PS para a Assembleia da República. Estarei de alerta ao tempo que Alegre dedicará à "democracia que não se esgota nos partidos". Esperarei, atentamente, como se vai urdir a configuração das candidaturas às eleições presidenciais de 2011. Veremos, em breve, se a Alegre "ninguém o cala" ou se, como Péricles, subscreve a teoria dos discursos fúnebres. Para ele e para a democracia.

2 comentários:

  1. O secretismo do recrutamento parlamentar, um bom objecto de estudo. Estou já a pensar num indicador: a origem social dos deputados parlamentares. Em continuidade com muito do que já foi feito (obviamente) por Luís Sá. por exemplo.

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  2. Ao Amplifikador Human
    Se tiver interesse na matéria do recrutamento parlamentar aconselho vivamente o recente livro de Conceição Pequito Teixeira editado pela Almedina. Mais indicações em
    http://homocivicus.blogspot.com/2009/04/as-eleicoes-e-o-povo-semi-soberano.html

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