Li ontem no DN que mais de 300 mil jovens eleitores portugueses vão ser incentivados a votar no próximo ciclo eleitoral. Motivo: estes novos polites, estavam arredados do sistema (riscaram do seu mapa de preocupações a famosa trilogia: exit, voice, loyalty), por razões que as Entidades Oficiais da Nação (EON) não querem saber. Preocupadas com o facto, eis que as EON decidiram, por unanimidade, recensear automaticamente as "ovelhas tresmalhadas". Assim, fica a contabilidade em dia. Depois começaram a surgir as dúvidas. E se estes polites mandarem às urtigas os seus deveres de comparência às urnas?
Solução: incentivar-lhe a deslocação para o acto via SMS. Sempre ficam a saber o local da tarefa. Junta-se à receita o labor das associações de juventude que acrescentam uns concursos e talvez o projecto dê certo.
Confesso que fico pasmado (já não devia!...) com estas notícias. Conheço centenas de campanhas do mesmo tipo. A exemplo, em 2005, na Tailândia, as respectivas EON, preocupadas com o mesmo fenómeno, decidiram colocar na rua elefantes que seguravam (com a obediência própria dos elefantes) um boletim de voto na tromba e o depositavam numa urna de voto. No mesmo ano, o Conselho da Juventude Espanhol não ficou atrás. Numa campanha antiabstenção juvenil para o referendo à Constituição Europeia, compararam os seus jovens polites a símios. Nem mais. Os jovens que não votavam eram primatas que chegariam à classe dos humanos logo que cumprissem o dever (não se espantem...a campanha incluia um gráfico comparativo da inteligência de ambas as espécies... simíos e jovens não votantes tinham um QI idêntico). Para mais incetivo distribuiram aos então primatas mais de 200 mil latas de uma bebida isotónica que dava "ganas de votar". Podia lembrar iniciativas idênticas (confesso que esta dos primatas é única) efectuadas nas mais diversas democracias. Mas o objectivo do post não é este.
A democracia real tem as suas intermitências. A do apelo ao voto é uma delas. Com a regularidade dos ciclos eleitorais surge a regularidade dos democratas que querem mais democracia no momento. O mundo dos jovens é ciclicamente abalado por incentivos à deslocação ao local de voto. Pedem-lhe que seja um "cidadão maior" na altura das eleições. Mas tratam-no como um "cidadão menor" durante o resto do tempo em que os democratas se dedicam aos encantos do exercício do poder. Joseph Schumpeter (Capitalisme, Socialisme et Democratie, Paris, Payot, 1951) bem alertou para estas intermitências. Quem se der ao trabalho (ou ao regalo) de o ler, verá, ainda que nos custe, que tinha razão. Uma das intermitências da democracia, dizia, Schumpeter, é aquela em que nos momentos eleitorais os cidadãos são chamados a registar o momento sagrado da legitimação do mando. É nessa altura que a democracia se recorda dos seus cidadãos.
Pois, digo eu, vai mal a democracia que se recorda de nós de vez em quando. Vai pior a democracia que apela à cidadania de circunstância.
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