Tal como a generalidade das democracias consolidadas também a nossa democracia acompanha os ritos e os ritmos da chegada avassaladora da "democracia de opinião". Uma das mais recentes construções do edifício democrático, na linha de B. Manin (The Principles of Representative Government, Cambridge University Press, 1997) é a da grande capacidade que as democracias têm para ouvir a "voz dos cidadãos". São democracias apuradas na técnica da audição pública. Usam bem o produto das ciências da comunicação e das tecnologias da informação. Testam diariamente as andanças da governação. Com regularidade solar, e sem tempo para a reflexão, ouvem e escutam os clamores dos cidadãos quase maquinalmente.
A nossa democracia não foge à regra. Nunca como hoje se prestou tanta atenção à audição dos cidadãos. Várias iniciativas da sociedade civil (só para exemplificar) têm produzido ultimamente relatórios dessas audições, nas quais os cidadãos expressam os seus anseios, angústias, preferências...enfim o que lhes vai na alma. A classe política recebe com agrado o produto e promete religiosamente ouvir o que foi ouvido, tratar do que ainda não foi tratado, curar o que precisa de ser curado. Já abundam as linhas telefónicas grátis, de cor laranja, ou rosa ou azul. Todos prometem ouvir: - deixe o seu recado, o seu problema, a sua solução.
O dilema da "democracia de audiência" começa aqui. É que esta democracia encontra-se, como nunca, capacitada para ouvir mas não está preparada (nem foi concebida) para incorporar, na mesma escala, o produto da audição. E quanto mais ouve menos consegue responder.
Eis um paradoxo que é necessário compreender, sob pena de estarmos a construir mais uma nova miragem no já complexo mundo da relação entre os cidadãos e os governantes. E as consequências são imprevisíveis.
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